quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O Portugal Habitual

1 Primeiro, o ministro explicou que a Cimeira da NATO implicava tão graves "ameaças terroristas" que se justificava a compra urgente de seis viaturas 'antimotim' para transporte de elementos policiais, ao custo de seis milhões de euros. Achei logo estranho: carros antimotim para fazer frente a ameaças terroristas? Mas já alguém ouviu falar de um motim de terroristas? (Imaginem a notícia na imprensa internacional: 'Lisboa, 21: terroristas da Al-Qaeda amotinados atacaram a cimeira da NATO em Lisboa mas foram repelidos pela polícia local, deslocando-se nos novos carros Cougar'. Sempre achei que este ministro tinha mais imaginação do que substância.
Depois, o ministro Rui Pereira anunciou no Parlamento que os carros seriam comprados por concurso e que não eram blindados mas apenas "com protecção balística". Segundo passo em falso: afinal, os carros foram comprados nos Estados Unidos por ajuste directo e são mesmo blindados, iguais aos que os americanos usam no Iraque e no Afeganistão para transportar tropas de combate - só que, nos nossos, na torre do blindado, em vez de um atirador com canhão, vai estar um PSP vigiando o motim terrorista. Assim sendo, ninguém percebe porque não foram usados outros blindados disponíveis, tais como os recentes e já mal afamados Pandur (será que tiveram medo que eles se avariassem em pleno motim?).
Mas, depois veio o pior: a "urgente aquisição" não estaria disponível a tempo da cimeira. Com sorte, talvez cheguem dois carros; com mais dinheiro gasto num transporte aéreo tipo-DHL talvez cheguem mesmo todos. Mas, como explicou um responsável da PSP, nunca chegarão a tempo de se poder ensinar os homens a manobrá-los e a cimeira é já para a semana. Há dias, com o ministro sentado ao seu lado com a sua melhor cara de ameaça terrorista iminente, o director-nacional da PSP, desculpou-se do atraso e explicou que não podiam garantir que quem lhes tinha garantido a chegada a tempo dos blindados cumprisse a sua promessa. Como? É assim que o Estado faz compras de seis milhões de euros - sem se garantir juridicamente contra o incumprimento do prazo por parte dos fornecedores? Só com promessas? Será preciso recorrer aos serviços do escritório do dr. Sérvulo Correia para fazer um simples contrato de compra e venda dependente do cumprimento do prazo por parte do vendedor?
A barraca não podia ser maior. O ultraje feito, num momento destes, a cidadãos que estão esmifrados até ao tutano por um Estado que assim gasta o dinheiro dos contribuintes não podia ser mais chocante. E, então, vá de congeminar uma saída blindada às arrecuas, a ver se pega: o novo brinquedo militar para uso da polícia civil vai servir depois, já que não serve para a cimeira da NATO, para "intervenções policiais" em bairros de risco, de grande criminalidade e droga, onde a PSP às vezes "é atacada com armas de guerra". A sério? A PSP vai passar a entrar de blindado militar na Quinta do Mocho ou no Bairro da Bela Vista atrás de assaltantes ou traficantes? Em que filme é que terão visto isso? Em que guerra civil é que se inspiram?
2 Tenho de pedir desculpa ao Alandroal por aqui ter escrito há quinze dias que me parecia chocante a percentagem de um funcionário municipal para cada 28 habitantes. Na 'pérola do Atlântico', entre o seu gabinete, os dos sete secretários regionais, os dos 70 organismos públicos que eles criaram e mantêm e as autarquias, há 35.000 funcionários para servir 245.000 habitantes: um 'jardinário' para cada oito madeirenses. O dobro do número de funcionários dos Açores, com a mesma população, mas dispersa por nove ilhas habitadas e não por duas e muito mais distantes entre si. E mais de metade do número de funcionários das Canárias, ali ao lado, com sete ilhas habitadas e oito vezes a população da Madeira.
Para conseguir sustentar este exército privado de funcionários, Jardim vive a sugar dinheiro ao continente, até onde o deixam e mais além: quando lhe impuseram finalmente a obrigatoriedade de endividamento zero, Sua Alteza Atlântica inventou as "sociedades de desenvolvimento regional" que se endividam com o aval do Governo e servem, entre outros fins de utilidade pública, para sustentar o Marítimo FC, o clube da predilecção de Sua Alteza Insular, ou um pasquim chamado "Jornal da Madeira" (que é distribuído gratuitamente para ver se assim liquida o único concorrente e não alinhado), e onde Sua Alteza Querida é diariamente louvada ao melhor nível do outro Querido Líder asiático.
Eis o Estado Jardim. Eis como se ganham eleições eternamente. Há anos que me faço a mesma pergunta: porque é que a nossa democracia e o nosso pobre país têm de sustentar e engolir esta ruinosa fantochada democrática? Porque é que não há Presidente da República, nem primeiro-ministro, nem líder do PSD que não se ajoelhe perante Sua Exaltada Alteza? Têm medo que ele declare a independência? Pois que declare!
Por estes dias, Sua Alteza Revoltada anda histérico com a iminência de perder um dos privilégios que lhe advêm do privilégio de fazer leis de excepção a favor dos madeirenses: vai deixar de poder acumular a totalidade do vencimento de presidente do governo regional com a totalidade da sua pensão de 4124 euros (cuja revelação pela imprensa o levou na altura a classificar os jornalistas como "bastardos, para não dizer filhos da puta"). Esse privilégio, assim como o do direito a uma subvenção vitalícia quando, enfim, cessar funções, aí pelo ano 2045, foram ambos banidos no início do Governo Sócrates, há cinco anos. Mas não na Madeira, onde Sua Educada Alteza tratou de se excepcionar e aos seus. Segundo anunciou, Sua Roubada Alteza vai então pôr em tribunal o que chama o Estado "ladrão", que se lembrou de repente que ele também era português e sujeito a compartilhar uma pequena parte dos sacrifícios comuns. Como habitualmente, o advogado dever ser o deputado Guilherme Silva, que costuma desempenhar essa curiosa dupla função de deputado nacional e advogado do governo regional. Ou, então, considerando que se está perante um roubo a um trabalhador, talvez o camarada dr. Garcia Pereira (esse mesmo, o da ditadura popular, que também costuma advogar a favor de Sua Quase Africana Alteza). Palpitante pleito judicial em vista, que, se fosse julgado em Alenquer, tinha desfecho garantido a favor de Sua Patriótica Alteza.
3 A Associação Nacional dos Alunos das Escolas Básicas e Secundárias fez saber que não aceita que os exames nacionais contem em 30% para a média final do ano: preferem, julgo, que contem zero. E também não aceitam o modelo de gestão das escolas, "que dá demasiado poder ao director em detrimento de outros actores, como os alunos, acabando com a gestão democrática nas escolas". Também o inevitável presidente da Fenprof exige a "imediata substituição" deste modelo de avaliação dos professores (qualquer que seja, já ninguém sabe nem quer saber).
Faz sentido: se os professores não querem ser avaliados, porque haveriam os alunos de querer ser examinados? E essa das escolas terem um director com poder também é um abuso: tudo visto e revisto, não é verdade que é à "gestão democrática" das escolas que devemos o ensino público de excelência que temos? Exames aos alunos, avaliações de desempenho dos professores, directores a mandar nas escolas - para quê tanta mudança? Para quê mudar o que está bem?
4 E porque, como os restantes funcionários do Estado, o meritíssimo de Alenquer viu o seu vencimento reduzido, ele (agora no estatuto de titular de órgão de soberania), resolveu unilateralmente trabalhar menos duas horas por dia. Se os outros 600.000 funcionários públicos (que não são órgãos de soberania), lhe seguissem o exemplo, talvez o Estado falisse, finalmente. E o meritíssimo não teria então que trabalhar hora nenhuma.
5 Dois anos depois do estouro do BPP, os 'investigadores' resolveram fazer uma busca aos domicílios dos seus administradores e advogados, em busca de provas comprometedoras. Nesses dois anos, nos Estados Unidos, Bernard Maddoff foi denunciado, preso preventivamente, julgado e condenado a pena que cumpre há mais de um ano. Mas os nossos investigadores são muito amáveis: gostam de dar tempo aos suspeitos para se prepararem e organizarem para eles dossiês e pens muito bem arrumados, à espera do ansiado dia da busca."
Miguel Sousa Tavares no Expresso
PS: E o bandido do Rendeiro ainda veio queixar-se em público através do seu advogado, das buscas que foram feitas...

4 comentários:

  1. O Sousa Tavares que a gente gosta.
    Os blindados também pode ser utlizados na vigilância aos tipos da Associação do Novo Macau Democrático aqui em Macau :)

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  2. Como é que isto aparece com as linhas fora da margem, a sobreporem-se aos links e ao arquivo? Assim não dá para ler nada.

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